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Hospital da Divina Providência em instalações construídas de raiz (1823-1915)

A construção de um hospital de raiz para a Santa Casa da Misericórdia só iria concretizar-se a partir do primeiro quartel do século XIX, dando-se início ao processo para a construção do novo Hospital da Divina Providência em 19 de Janeiro de 1817. Regista-se na acta da Mesa reunida naquela data, que tinha sido escolhido, por unanimidade, o terreno para a sua edificação, que era o “largo da Casa da Câmara no sítio do Cano Velho”. Opção tomada depois de concluídos os “arranjos” com João Botelho Pimentel, relativos à casa que ele possuía no lugar eleito para o novo hospital. A leitura desta acta permite-nos deduzir que, se a escolha do terreno foi aprovada na data referida, a decisão para a construção de um novo hospital é anterior. Sabemos que já em 25 de Agosto de 1816 se falava da escolha de um terreno para um novo hospital, envolvendo-se nesta questão o conhecimento especializado do doutor Francisco Inácio Pereira Rubião e, provavelmente, de outros médicos.

Escolhido o local do novo hospital, o largo da Câmara, ou Praça Velha, na freguesia de São Dinis, considerado ainda na altura “um espaço nobre”, de forma quadrangular, com um chafariz, e delimitado por construções entre as quais se contavam a Casa da Câmara, o primeiro Hospital da Divina Providência (1796) e a casa onde funcionou o Hospital Militar, desactivado em 1817, vai dar-se início a um longo processo que só anos mais tarde estará encerrado.

Para conhecermos a edificação do novo Hospital deparamo-nos com alguns problemas. Não possuímos uma documentação que nos permita seguir, passo a passo, a sua construção e principalmente desconhecemos quem foi o autor do projecto. Projectar um hospital, com um desenho apropriado para a função, e com um estilo moderno na sua configuração, exigia alguém com conhecimentos para fazê-lo. O desconhecimento da autoria do risco na arquitectura portuguesa anterior ao século XIX, e mesmo em muitos edifícios desta centúria, é um problema por vezes difícil de ultrapassar. Os documentos silenciam frequentemente o nome do riscador.

Além deste obstáculo, também conhecemos mal, ainda hoje, a actividade arquitectónica em Vila Real, entre os finais do século XVIII e ao longo do século XIX, o que dificulta a possibilidade de apontarmos nomes que poderiam estar relacionados com o processo da planta do novo Hospital. Como tivemos ocasião de referir em outras situações, frequentemente atrás de um projecto em Portugal encontra-se um arquitecto amador (um sacerdote, um militar, um particular, etc.) que, com habilidade para o desenho, auxiliado pela tratadística e pela experiência dos mestres construtores, é o responsável pelo projecto. Esta situação poderia ter sucedido com o Hospital de Vila Real, cujo rico, executado “debaixo dos preceitos médicos”, teria tido como autor uma das figuras que lideraram o processo da sua construção. Esta é uma hipótese, entre outras, que podemos apresentar, até que o silêncio que existe sobre a sua autoria seja quebrado por um documento que nos revele o seu autor.

Para a construção do novo Hospital foi necessária a aquisição de alguns prédios, além do já referido e que pertencia a João Baptista Pimentel, entre os quais temos: uma casa com seu quintal, situada no Cano Velho, cuja compra foi feita, em 27 de Agosto de 1818, a Francisco Garcias, residente em Vila Real, pelo preço de 150$000 réis (no lugar anteriormente ocupado pela casa, construiu-se a porta da enfermaria do lado poente, que está ao Norte e quase toda a sala da entrada do Hospital); compra de uma sala e uma loja no Cano Velho feita, em 11 de Maio de 1822, a Francisco José de Carvalho e Araújo e sua mulher, de Vila Real por 48$000 réis (a propriedade ocupava o terreno onde se acha construído o lado esquerdo da escada de entrada); e compra de uma horta cita na rua da Vila Velha, em 14 de Agosto de 1824, a João Fernandes e sua mulher, de Vila Real, por preço de 34$800 réis (faz parte do cemitério pertencente ao Hospital da Divina Providência).

Também a pedido da Santa Casa da Misericórdia, D. João VI, por provisão de 9 de Dezembro de 1822, autorizou a troca de casas em benefício da construção do Hospital. No pedido feito ao monarca, o Provedor e mais irmãos da Misericórdia diziam que andavam a fazer um Hospital com toda a “magnificência e grandeza”, tendo o novo edifício na frontaria da entrada duas casas, uma onde se recolhiam os doentes do Hospital, e outra que pertencia a D.ª Antónia da Silva Teixeira e a seu sobrinho dr. José Tomás, ambos de Vila Real, e precisavam licença para trocar esta última, por uma que tinham na Praça Velha, que tinha sido comprada para Hospital Militar. Esta permuta era muito útil já que a casa entestava pela parte norte com a obra do Hospital, não podendo esta progredir sem a sua demolição, “a menos que por aquele lado não ficasse defeituosíssimo”.

Pretendiam igualmente demolir a casa do Hospital Velho, como já referimos, para poderem ultimar a nova obra. Com a autorização régia o novo edifício ficaria perfeito de todos os quatro lados e arejado, o que seria útil para os doentes, e com serventias amplas e cómodas.

Anos mais tarde, em 1851, adquiriram a casa de António Taveira de Azevedo e da sua irmã, contígua ao Hospital (confrontava com o Hospital, rua da Piedade e quelha da Praça Velha). Na acta de 1 de Junho de 1851, ao referir-se a compra da casa, avaliada por 300$000 réis e comprada por 280$000 réis, escreve-se que a Mesa por unanimidade concordou com a aquisição, já que era necessária “devido ao Hospital precisar de espaço para o curativo de várias moléstias que devem ter tratamento separado, como também para outras arrumações, e ser a única zona para onde o Hospital se pode alargar”, já que pelos outros lados se achava cercado de ruas públicas.

Paralelamente ao processo de aquisição dos espaços necessários para a edificação, seguem-se as obras de construção, procedendo-se à escolha de mestres-de-obras, para se dar início imediato aos trabalhos e dar-lhes continuidade “enquanto houver dinheiro de esmolas”.

Parte da história da edificação do Hospital da Divina Providência é-nos revelada por alguns documentos notariais que, além de nos permitirem conhecer algumas das fases de construção e as técnicas utilizadas, dão-nos os nomes dos mestres que as executaram, informações importantes e que devemos registar para um melhor conhecimento do edifício.

Executadas várias obras e intervenções, o novo Hospital estaria em condições de receber doentes mas não tantos como era necessário, já que na Mesa de 16 de Agosto de 1835, decidiram que “enquanto não melhorassem as circunstâncias, o Hospital, que infelizmente se acha em atraso, se não admitissem mais de catorze enfermos, para nele serem tratados, não podendo exceder-se este numero se não em algum caso muito extraordinário”.

Isto é, em 1835, ainda não estava construído definitivamente o edifício do Hospital, apesar de ter começado a funcionar nas novas instalações em 1823.

A partir dos anos cinquenta do século XIX aparecem novas referências a obras motivadas por preocupações de higiene, pelo bem-estar dos doentes, de melhorias diversas e por necessidade de acrescentar o Hospital.

Os dois primeiros casos levaram à mudança das cloacas (1850) e à introdução de um jardim (1851). Os responsáveis da Santa Casa da Misericórdia desejavam mudar as cloacas do Hospital “para qualquer sítio onde menos prejuízo causassem aos doentes”, obra reconhecida de grande utilidade mas que não tinha tido “até ao presente” qualquer andamento. Em 1850, a pedido do governador civil, António Felisberto da Silva Cunha Leite, o delegado de saúde examinou e passou revista ao hospital, finda a qual, aconselhou que se fizesse a obra pretendida, considerada como um dos meios de melhorar a saúde pública. Perante esta conclusão, o governador civil recomendou à Mesa que se efectuasse a obra – “que por tantas vezes tinha sido recomendada por todos médicos do Partido do mesmo Hospital”. A Mesa determinou que fossem colocados editais nas esquinas dos lugares “mais públicos” de Vila Real, para que no dia 12 de Maio de 1850 se reunissem todos os mestres pedreiros que com “melhor e com mais comodidade” fizessem a obra.

O mesmo sentido de melhoria do ambiente hospitalar aparece na acta de 26 de Novembro de 1851, com a deliberação de se fazer um jardim: “na Comissão Administrativa da Santa Casa da Misericórdia e Hospital da Divina Providência, pelo vogal João Pires da Costa foi dito que havendo-se falado em fazer um pequeno jardim no terrado do Hospital, que fica para a parte do nascente, e sendo certo que agora é tempo para se levar a efeito, por isso se deveria deliberar o que melhor convier a esse respeito, foi decidido fazer o jardim para nele se plantarem flores e plantas cheirosas, o que convinha para salubridade do mesmo Hospital”. Em 1862, seria colocada no jardim a taça de água que existia no claustro do Hospital.

O contributo da Câmara para melhorar a área do Hospital aparece referida em 1852, quando mandou consertar o melhor possível a esquina da casa e adro da capela do Hospital em frente do sul e poente, devido ao mau estado em que estava a dita rua; a Santa Casa pôs à disposição da Câmara a pedra pedida, já que não havia obra alguma no dito estabelecimento, em que a dita pedra se empregasse e o valor da mesma era insignificante.

No ano seguinte, é o Hospital a mandar fazer obras consideradas necessárias no baixo próximo da cozinha, para habitação da enfermeira e criada, e também as que fossem necessárias fazer na loja por baixo da enfermaria de Santa Ana, para as “decepções” dos cadáveres, de forma que rapidamente ficasse desocupada a casa que a enfermaria ocupava, “atenta à necessidade que há desta casa, para o maior arranjo do estabelecimento”. Devido à urgência destes trabalhos, a Mesa encarregou os irmãos mesários Francisco Ferreira da Costa Agarez, José Joaquim Ferreira, e José Cardoso da Silva de levarem a efeito as ditas obras. Finalmente, ainda na década de cinquenta (acta de 1 de Maio de 1854), foi decidido fazerem uma nova enfermaria, a ser levantada “no baixo ao poente da capela”.

Novas obras são referidas em 1887, altura em que também se comprou mobiliário: conserto e pintura de diversas dependências do Hospital: conserto nas varandas e cozinha; pintura de três enfermarias e das portas do claustro; pintura das camas; conclusão dos consertos e da pintura da enfermaria de São José; envidraçar e pintar a farmácia; e caiação do edifício e pintura das grades. Novamente em 1892, fizeram obras que constaram do seguinte: colocação de uma taipa que dividisse em duas a enfermaria de São Francisco; abertura de duas portas, uma na parede do claustro para dar ingresso à parte da referida enfermaria e outra necessária para maior e melhor ventilação da outra parte da mencionada enfermaria; colocação de uma taipa que divide em duas a enfermaria de Santa Ana, a qual se iria converter em casa de arrecadação e secretaria; construção de uma escada para dar ingresso aos referidos compartimentos; conserto do quarto do farmacêutico; abertura de um portal de carro que desse ingresso para o terreiro contíguo ao jardim e portão para o referido portal; conserto das latrinas; substituição por completo da escada interior do edifício que se tornava indispensável “por a actual estar totalmente inutilizada”, e construção de uma enfermaria destinada ao tratamento das “toleradas”.

Em 13 de Dezembro de 1896, refere-se que as obras da ampliação do Hospital e os grandes reparos do edifício velho se achavam bastante adiantados. Como era urgente continuá-las, para efeito do seu completo acabamento, e como a verba pedida não era suficiente para a sua conclusão, e para a compra de “utensílios de mobília” destinados aos diferentes compartimentos, deveria pedir-se autorização ao Governo para se levantar mais oito contos do fundo do Hospital que, segundo os cálculos, feitos pelo engenheiro fiscal das obras, se reputavam necessários para a conclusão das mesmas. Uma vez terminadas, o Hospital podia receber mais doentes de “paga”, já que tinham construído bastantes quartos particulares que, juntamente com a já delineada construção de um compartimento de hidroterapia, segundo as condições modernas, poderiam dar uma avultada receita.

Em 1901, foram necessárias novas obras no Hospital, de carpinteiro, caiador, pintor e calceteiro. No mesmo ano, o Hospital da Divina Providência recebeu dois grandes donativos destinados à reparação da varanda e claustro do Hospital.

A última obra de que temos notícia realizou-se em 1911. Tratava-se de obras na casa mortuária, pintura dos soalhos da enfermaria de São José e pintura de um quarto na enfermaria de Santo António.

O novo Hospital tinha um cemitério, “para sepultura dos que falecerem no Hospital”, sendo concedida licença, pela portaria de 8 de Fevereiro de 1824, para ser benzido pelo “pároco do distrito”. Em 14 de Agosto do referido ano, em cumprimento da portaria do arcebispo de Braga, D. Fr. Miguel da Madre de Deus, foi benzido o cemitério do Hospital da Divina Providência pelo reverendo Duarte José Pereira de Miranda, encomendado da igreja matriz de S. Dionísio, com assistência dos irmãos da Mesa e dos capelães da Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, que, debaixo da cruz, assistiram ao acto.

O Hospital da Divina Providência, hoje Câmara Municipal, juntamente com o palácio do Conde de Amarante, actualmente Governo Civil, constituem os dois melhores exemplares da arquitectura de tipologia clássica de Vila Real. O autor do seu projecto inovador foi alguém sensível à modernidade do classicismo, mas ainda ligado a algum formulário tardobarroco, que não o possibilitou de dotar o burgo vila-realense com um edifício neoclássico.

O avanço da fachada da capela, devido a sobreposição de duplas pilastras de canto, o remate da sua porta, assim como a curvatura dos lintéis de alguns vãos, remetem-nos para soluções que não definem uma total adesão ao ideal neoclássico. Esta opção não retira ao projecto a elegância que tem. Exteriormente, apresenta fachadas onde domina a simetria, bem ritmadas pelos vãos que as rasgam, permitindo a entrada de luz e de ar como exigia a nova arquitectura hospitalar, proporções equilibradas dos seus diversos corpos e, principalmente, a elegância do frontão triangular que remata a fachada sul acentuando da composição central cuja verticalidade, formada pela sobreposição de dois vãos (porta e janela de sacada), culmina com a urna, sobre um acrotério, que o remata, em substituição da cruz que assinalava, antes de 1915, que aquela fachada correspondia à capela do hospital.

O edifício com dois pisos tinha um pátio, com varanda no andar superior, designado quase sempre por claustro. Seguindo a descrição, o esquema apresentado por uma planta que existe do Hospital da Divina Providência, vemos que no primeiro andar existiam diversas divisões, entre as quais, quatro enfermarias, uma sala de operações, uma farmácia, um laboratório, vários quartos e outras dependências. No segundo andar existiam cinco enfermarias, entre as quais a de São Jerónimo e a de São Francisco, um salão nobre, quartos e outras dependências.

No interior do Hospital, ocupando a parte central do corpo sul do edifício, existia uma capela com a altura dos dois pisos do Hospital, obra mandada construir em 1821, por Francisco Rodrigues de Freitas. A capela de São Jerónimo serviria de panteão à família Rodrigues de Freitas. Francisco. Nas Visitas de Vila Real de 1845a capela era descrita da forma seguinte: “nela há também sacrário com o Santíssimo Sacramento, pequeno templo, porém magnífico; nela se celebram os ofícios divinos e missa quotidiana, tem paramentos ricos, e tudo o mais preciso; é administrada pela Mesa da Misericórdia, e situada na rua do Espírito Santo”.

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