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Relações entre Misericórdia e a Ordem Terceira de São Francisco

 

A Santa Casa da Misericórdia e a Venerável Ordem Terceira de São Francisco (ou da Penitência, fundada, em Vila Real, no século XVII) mantinham relações institucionais estreitas, como disso são testemunho alguns dados que dizem respeito à participação conjunta em várias funções.

Assim, em 18 de Janeiro de 1807, a Mesa, tendo analisado atentamente a carta enviada pelos irmãos da Ordem Terceira da Penitência, segundo a qual, tendo eles planeado fazer a “piedosa cerimónia do descimento da cruz” e desejando dar-lhe maior solenidade, segundo o antigo costume, rogaram aos irmãos da Misericórdia que se associassem à sua ilustre e respeitável corporação, pedindo para concorrerem a esta santa função “com número de profetas que mais lhe for possível”. A Misericórdia anuiu a este pedido, participando na cerimónia com dez profetas. Outro convite foi igualmente endereçado pela Ordem Terceira, em 22 de Fevereiro de 1854, para os irmãos da Santa Casa assistirem à Procissão de Quarta-Feira de Cinza e Sexta-Feira de Paixão na Quaresma seguinte, sendo posta à disposição da Mesa as oito varas do pálio, o que constituía uma grande honra.

Por seu turno, a Santa Casa da Misericórdia também tomava a iniciativa de colaborar com a Ordem Terceira. Este aspecto pode ser comprovado pela carta enviada à Ordem Terceira em 12 de Março de 1824, em que a Mesa propunha que a Procissão dos Santos Passos nesse ano findasse na Capela do Senhor Jesus do Calvário, devendo os irmãos da Ordem Terceira, a quem era incumbido este último passo, mandar aprontar a dita capela e ordenar o seu sacristão, no dia seguinte, a “fazer o sinal do sermão que aí se há-de pregar”.

Com a mesma data, foi remetida uma carta ao abade da freguesia de São Pedro, António José Pereira de Brito, informando-o que a procissão dos Santos Passos iria finalizar na capela do Senhor Bom Jesus do Calvário e, por esse motivo, a Misericórdia não utilizaria dessa vez o seu “obséquio em prontificar sempre a sua igreja”. A Ordem Terceira respondeu, dizendo que havia tomado as devidas providências para o ofício na mesma capela.

Em ocasiões dramáticas, as duas instituições estavam também unidas, como podemos constatar pelo ofício enviado à Mesa, pelo ministro da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, exarado em acta de 2 de Julho de 1853, convidando a irmandade “a concorrer às preces que se fazem na igreja daquela ordem” e também a mandarem pregar um sermão nas ruas do trânsito da Procissão da Penitência, que seria organizada no dia 24 desse mês, pelas sete horas da tarde. A Mesa respondeu de imediato afirmativamente, porque era justo o fim a que se destinavam as preces e a procissão, “que vem a ser rogar a Deus para que afaste o flagelo que ameaça o produto das vinhas”.

Por vezes, situações menos claras levantavam questões que tinham de ser resolvidas de forma rápida e eficaz, sem dar margem à existência de quaisquer dúvidas acerca da actuação dos irmãos da Santa Casa da Misericórdia. O incidente provocado pelos festejos organizados em torno da recondução da imagem do Bom Jesus do Calvário, da igreja de São Francisco para a sua capela, criou uma situação delicada que podia comprometer as relações entre as duas instituições, já que a Comissão que organizava os festejos não representava a Venerável Ordem Terceira de São Francisco. Sabemos, pela acta de 23 de Maio de 1868, que foi lido um ofício de uma comissão eleita para festejar a recondução da Imagem do Bom Jesus do Calvário, da igreja de São Francisco para a sua capela, cujos signatários eram o padre Vitorino José da Costa Rebelo, José de Barros Freire e Narciso Alves Ribeiro Machado, convidando a Irmandade da Misericórdia a concorrer no acto processional no dia 28 de Maio de 1868, pelas quatro horas da tarde.

O Presidente da Mesa (o mordomo-mor Francisco Ferreira Agarez, servindo de provedor), declarou “que este convite era singular, já que sendo a Irmandade convidada para a procedente Procissão de Penitência pela Mesa da Ordem Terceira, era agora convidada por uma Comissão que não representava a mesma Ordem, e já porque conquanto esta Irmandade costume concorrer às festividades da Ordem, e esta às da Santa Casa, é esse costume só entre as duas corporações e nunca esta Irmandade concorreu conjuntamente com as outras irmandades a não ser no enterramento dos seus irmãos ou nas funções fúnebres das pessoas reinantes. E sendo bem sabido que em diversas épocas, mesmo nestas concorrências, se têm dado consequências desagradáveis entre os irmãos destas e de outras irmandades por motivo da precedência de lugares”.

Avaliado o convite pela Mesa, os irmãos concluíram que ainda que venerassem respeitosamente o Bom Jesus do Calvário, a irmandade não devia participar na referida festividade, reservando a sua participação unicamente nas festas próprias da Ordem, nas funções fúnebres das pessoas reinantes, e no enterramento dos irmãos. Perante esta realidade, decidiram dar uma resposta negativa ao convite.

Esta ligação entre as duas entidades era sempre cuidadosamente delimitada, como aconteceu em 1871, quando a Mesa da Santa Casa, ao mencionar as funções que seriam realizadas no decurso do ano, com particular destaque para as cerimónias da Semana Santa, determinou no tempo da Quaresma que se realizassem sermões (para pregadores dos sermões, que se fariam nas diversas festividades, podiam ser o padre Manuel de Azevedo, abade de São Dinis de Vila Real ou o padre Manuel da Natividade, aceitando a missão o primeiro, como se confirmou na Mesa de 14 de Janeiro de 1872) nos domingos, Procissão dos Passos do Senhor, lava-pés, exposição na Igreja da Misericórdia e na Capela do Hospital, procissão à noite e todas as mais festividades “segundo o uso e costume”, desde a Missa de quarta-feira de cinzas até domingo de Páscoa, menos a procissão de sexta-feira maior, que nesse ano ficaria a cargo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco.

Por fim, e ainda no contexto das relações entre as duas instituições, devemos apontar a Procissão de Quarta-Feira de Cinzas, que, de acordo com a tradição, pertencia à Ordem Terceira de São Francisco; aparecendo documentada no espólio da Santa Casa da Misericórdia para os anos de 1856, 1857, 1858, 1861, 1862, 1863, 1871, 1872 e 1874, decidimos inseri-la no contexto das festividades da Misericórdia. Através da sua análise, é possível conhecer, para alguns destes anos, a sua constituição, permitindo-nos avaliar a importância da participação da Misericórdia numa procissão de tão grande significado no contexto da cidade.

A procissão que contou com maior número de andores e figuras foi a de 1874, paradigmática, pela mensagem simbólica que apresentava aos fiéis, usando toda uma panóplia de imagens ligadas ao espírito de penitência, seu principal objectivo. No cortejo da Procissão de Cinzas, o conceito duplo de pecado/penitência estava sempre presente: Adão e Eva que, juntamente com a Árvore do Paraíso/Árvore da Penitência, lembravam o Pecado Original; o Anjo Querubim vinha recordar o castigo pelo pecado cometido e a expulsão do Paraíso; a Caveira e os Ossos, apontando a inevitabilidade da Morte; São João, Madalena, as figuras sempre presentes no Calvário. Os andores, com as várias invocações ligadas à Ordem Seráfica, iam-se sucedendo num crescendo, culminando no Senhor das Chagas, como clímax da chamada ao arrependimento, pela penitência, lembrando aos fiéis o sofrimento de Cristo.

A todo este discurso se associavam as várias irmandades (Irmandades de Nossa Senhora do Rosário, do Santíssimo Sacramento de São Pedro, do Santíssimo Sacramento de São Dinis), com posição de honra para a Santa Casa da Misericórdia.

Alguns registos relativos à Procissão de Quarta-feira de Cinzas, para os anos acima referidos, mencionam nominalmente os participantes, sendo porém poucos os exemplos que nos transmitem esses dados pessoais, que permitem conhecer os intervenientes que participavam neste acto penitencial, que ritmava anualmente a sociedade de Vila Real. Esta realidade pode ser observada nas procissões de 1856 e 1857.

 

 

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