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No século XVI, na sequência da construção da igreja da Misericórdia, vão instituir-se nela as capelas – isto é, bens vinculados à celebração de missas perpétuas –, com periodicidade mais ou menos regular, movimento esse que se manteve até à centúria seguinte. Os instituidores, oriundos da nobreza civil e eclesiástica local, para sustento destes legados, vinculavam as suas propriedades, rendas, foros e dinheiro. Esta situação traduziu a importância que a Misericórdia assumiu no contexto da sociedade vila-realense, e do reconhecimento que o próprio rei exprimia quanto a instituições desta natureza, levando a que a elite da vila, afirmando o seu prestígio social, reforçasse a sua vocação devocional. Era portanto ao serviço de Deus e para a salvação das suas almas que a nobreza e a burguesia afectavam às suas capelas ou às missas perpétuas significativos bens ou rendimentos.

Em 1538, a 26 de Abril, D. Pedro de Castro instituiu uma capela na igreja da Misericórdia, uma doação perpétua, com uma renda de 200 medidas de trigo e centeio e azeite, com a obrigação da Misericórdia assegurar uma missa diária de requiem, pela alma de Fernando, marquês de Vila Real, arrolando os sacerdotes que diriam a referida missa diária.

Outras capelas se vão seguir a esta, ao longo do século XVI, instituídas na Misericórdia de Vila Real. Refira-se que, por vezes, as capelas quinhentistas instituídas na Misericórdia ou desta dependentes, deram origem a pleitos judiciais ou a contendas que ajudaram a enfraquecer a situação financeira da Casa, ou a reduzir a sua influência na sociedade vila-realense.

Se tivermos em consideração os legados deixados à Misericórdia de Vila Real pelos instituidores das capelas para cumprimento das missas perpétuas e outras obrigações, podemos identificar três tipos de donativos: os bens imóveis, constituídos por prédios rústicos e urbanos; os foros, que eram pagos em géneros, habitualmente cereais, trigo e centeio, mas também azeite e vinho; e as pensões em dinheiro, destinadas a remunerar directamente os administradores das capelas e os capelães que celebravam as missas, ou a aplicar a juro. Excepcionalmente, apareceu-nos uma obrigação de natureza assistencial – roupa para pobres –, inscrita no estrito cumprimento das obras de Misericórdia, isto é, "vestir os nus".

Por outro lado, quando analisamos a cronologia das capelas instituídas na Igreja da Misericórdia de Vila Real, desde a sua fundação até meados do século XVIII, verificamos que o número de missas perpétuas estabelecidas na Igreja da Misericórdia não parou de crescer até inícios do século XVII. Contudo, a partir de 1620-1630, os vínculos de missas perpétuas vão descer abruptamente, a denunciar uma nova realidade. Com efeito, em 1639, a poderosa e "opulenta" irmandade de São Pedro, estabelecida na Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, transferiu-se para o "magnífico" templo de São Paulo, no coração de Vila Real, o qual tinha sido mandado construir por alguns sacerdotes e religiosos das "principais nobrezas desta vila" – por 1720, registava 200 irmãos sacerdotes e 500 irmãos leigos –, levando a que esta igreja de São Paulo rapidamente substituísse a Igreja da Misericórdia quanto às missas perpétuas e bens de almas.

Constituíam as capelas de missas estabelecidas na Misericórdia de Vila Real, que levaram a esta Instituição os seus primeiros bens de raiz, um benefício ou um encargo para esta Instituição? A queda do seu número a partir do século XVII penalizou a Misericórdia?

Sob o ponto de vista simbólico, é claro que a redução do número de missas perpétuas não foi prestigiante para a Casa. Sob o ponto de vista financeiro, duvidamos que fosse negativa. As missas que as capelas instituídas na Misericórdia de Vila Real obrigavam, com carácter perpétuo, revelaram-se, como nas outras misericórdias, um encargo para a Instituição, uma vez que os rendimentos dos bens afectos àquelas exauriam-se no pagamento aos capelães ou sacerdotes encarregados de celebrar as missas, levando, até, na ausência de outras fontes de financiamento, a uma acumulação de missas por celebrar, e assim ao incumprimento dos legados pios.

Esta situação obrigou a que a Administração da Misericórdia solicitasse às autoridades eclesiásticas breves de perdão para as missas não efectuadas e breves de redução quanto ao número de missas instituídas, sob pena de incumprimento das obrigações estabelecidas – medida que encontramos adoptada por outras misericórdias do Reino, como a de Bragança que, na segunda metade do século XVIII, diminuiu não só o número de missas perpétuas, como o de capelães.

Na sequência dos breves de redução concedidos à Misericórdia de Vila Real, o número de missas perpétuas instituídas na mesma registou, no século XVIII, uma redução drástica, como podemos verificar, por exemplo, quanto às seis capelas administradas directamente pelo provedor (nomeadamente a da capela de Pedro de Castro), as quais, de centenas de missas anuais, se encontravam limitadas a 21, por 1797.

Em 1822, o número global de missas a que a Santa Casa estava obrigada pelos vínculos de capelas e pelo seu Compromisso era de 31.

 

 

Um dos problemas mais graves com que a Misericórdia de Vila Real se debateu, praticamente desde as origens, foi o da sustentabilidade económica. Para exercer a sua missão assistencial e religiosa, razão última da sua existência, esta Instituição, como as congéneres, necessitou de constituir um património que lhe permitisse suportar as despesas que resultaram da sua regular actividade.

Os seus encargos eram múltiplos e onerosos, com a conservação e manutenção do seu património; o pagamento dos serviços de capelães e outros funcionários; a celebração de missas; as celebrações da Quaresma e da Semana Santa, em particular as procissões; a aquisição de alfaias de culto; os enterros; e a actividade assistencial.

As receitas da Instituição, desde as suas origens até ao século XIX, eram constituídas, fundamentalmente, pelos bens vinculados a capelas e missas perpétuas, ou bens aforados e emprazados, obrigados a pagar à Misericórdia uma certa pensão ou foro, em géneros ou dinheiro. Outras fontes de receita como donativos, "esmolas", dadas por particulares ou pelo rei, parecem ter assumido pouco significado. De legados vultuosos até inícios do século XIX não chegou até nós qualquer notícia – o que não quer dizer que não existissem.

 

 

Que alterações foram introduzidas relativamente aos estatutos de 1865? Regressa-se novamente, em obediência às origens, ao vocábulo "compromisso" embora o termo de encerramento o designe por "estatutos".

De acordo com a legislação de 1979 e 1983, a irmandade da Misericórdia é definida como "uma associação de fiéis constituída na ordem jurídica canónica, com o objectivo de praticar a solidariedade social", dispondo de "personalidade jurídica canónica e civil e reconhecida como Instituição Privada de Solidariedade Social (IPSS)".

Propõe-se cooperar com quaisquer outras entidades públicas e particulares, com as autoridades e populações locais, no domínio das obras sociais, incluindo acções de carácter cultural e recreativo. Mas os fins que prossegue efectivamente são o apoio à família e a protecção à infância e velhice, através da criação e manutenção de lares, centros de dia, creches, jardins-de-infância e serviço domiciliário.

No capítulo dos irmãos desaparece o número limite (240 nos estatutos anteriores), e mantém-se o seu perfil social. Mas são abolidas as referências de natureza económica e profissional, comprometendo-se apenas os irmãos ao pagamento de uma quota mensal não inferior a 500$00. A naturalidade dos mesmos, circunscrita antes a Vila Real, é agora alargada aos naturais ou residentes no município ou a ele ligados por laços de afectividade. E, pela primeira vez na sua história, referem-se os "indivíduos de ambos os sexos", abrindo assim a Misericórdia as suas portas às mulheres.

Mantêm-se os órgãos sociais da Irmandade, a Assembleia Geral, a Mesa Administrativa e o Concelho Fiscal ou Definitório. Mas a duração dos mandatos passa a trienal, sendo a eleição no mês de Dezembro. Os corpos gerentes só podem ser eleitos consecutivamente para dois mandatos, e são responsáveis civil e criminalmente pelas irregularidades cometidas no exercício do mandato.

A Assembleia Geral é constituída por todos os irmãos e dirigida pela respectiva Mesa.

A Mesa Administrativa é formada por sete membros – o provedor, o vice-provedor, o secretário, o tesoureiro e três vogais –, e compete-lhe gerir e representar a Instituição. O provedor superintende a administração da Irmandade, convocando e presidindo às reuniões da Mesa e representando a Irmandade em juízo ou fora dele.

O Conselho Fiscal vigia o cumprimento da lei e do Compromisso, dando parecer sobre o relatório, contas e orçamento.

No domínio do culto e assistência espiritual, regista-se a existência, se possível, de um capelão privativo e a celebração da missa dominical da irmandade, da festa anual da Visitação em honra da padroeira da Misericórdia, das cerimónias litúrgicas da Semana Santa, das missas de sufrágio por alma dos irmãos falecidos, das exéquias anuais, em Novembro, por alma dos irmãos e benfeitores falecidos e a celebração de outros actos de culto que constituem encargos aceites pela Misericórdia.

 

 

A carta de lei de D. Luís I, datada de 31 de Maio de 1865, vai aprovar os novos estatutos da Instituição, tendo feito depender da sua aprovação os pareceres favoráveis do governador civil de Vila Real e do procurador-geral da Coroa.

Trata-se de um documento dividido em 20 capítulos que procurou actualizar a estrutura, funcionamento e actividade da Misericórdia, à luz da ideologia liberal e de uma sociedade laicizada, com o objectivo de definir claramente o que é que o Estado esperava da Instituição, no domínio da assistência.

O que é que caracteriza fundamentalmente estes estatutos? Qual o carácter inovador das suas disposições?

A estrutura orgânica e finalidade da irmandade mantêm-se. O fim da Misericórdia continua a ser a prática das virtudes de piedade e beneficência. Outros princípios, contudo, são adoptados neste documento, a revelarem uma ruptura com o passado.

A governação da Casa era exercida pela Junta Geral da Irmandade, de todos os irmãos, 240 pessoas decentes, bem-educadas, tementes a Deus e de bons costumes, com mais de 25 anos (uma assembleia-geral); pelo Definitório ou Conselho (membros da Mesa anterior, todos os irmãos que serviram como provedores, escrivães e mordomos-mor, residentes em Vila Real, e do provedor em exercício, que preside); e pela Mesa, composta pelo provedor, escrivão, mordomo-mor e 12 conselheiros ou mesários, pagando cada um mais de 2 000 réis de contribuição predial, directamente eleitos, entrando em funções a 15 de Julho do ano da eleição. A fiscalização da observância dos Estatutos pertencia ao Definitório.

A administração dos bens da Misericórdia era competência da Mesa. O provedor, "chefe da administração da Santa Casa e do Hospital, com mais de 35 anos, que presidia a todos os órgãos do governo da Casa e nomeava, no início da sua administração, as comissões, tinha de pagar mais de 20 000 réis de contribuição predial.

Registe-se, enquanto elemento inovador, que se exibe uma total igualdade dos irmãos no seio da confraternidade, sem distinção de classes, rompendo com a tradicional divisão dos irmãos em duas categorias – nobres e mesteres, ou de primeira condição e de segunda condição, apenas lhes sendo exigido, sob o ponto de vista material, "honesta subsistência" e o pagamento, no acto de admissão, de uma jóia de 4 000 réis; que a Mesa passava a ser eleita por dois anos; que o número de irmãos aumentou para 240, e que deviam saber ler e escrever; que o Definitório aparecia com funções claramente definidas, funcionando como um conselho fiscal; que competia ao Governo autorizar a aceitação de qualquer legado deixado à Santa Casa ou Hospital; e que todos os vogais da Mesa eram responsáveis pelas deliberações em que tomassem parte.

Em suma, os estatutos da Misericórdia de Vila Real de 1865 continuaram a definir as condições indispensáveis para que ela atraísse a si a elite vila-realense, mas actualizou os princípios da sua estrutura e funcionamento à luz da sociedade liberal. Mantiveram-se até final da Monarquia, continuaram durante a Primeira República (1910-1926) e o Estado Novo (1926-1974).

Após a nacionalização do seu Hospital, em 1975, a Misericórdia de Vila Real acabou por adoptar o estatuto de instituição particular de solidariedade social, em 1985, o que lhe permitiu dedicar-se a outras actividades assistenciais.

Foi no âmbito deste novo quadro sociojurídico que a Misericórdia de Vila Real elaborou, em 1992, o seu novo regulamento estatutário, publicado no Diário da República n.º 267, III série, de 18 de Novembro do mesmo ano, sob o título de Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, que vigora até ao presente.

 

A Capela de Santa Ana, assim como a colegiada nela instituída, foram fundadas no século XVIII, em Vila Real, por vontade do Dr. Jerónimo Botelho Correia Guedes do Amaral, expressa no seu testamento feito na cidade da Paraíba do Norte (actual João Pessoa, capital da Paraíba do Norte), em 10 de Dezembro de 1738, que parta tal deicava uma avultada verba e os rendimentos do engenho de Gargaú, devendo terminar-se a capela com os rendimentos dos dez mil cruzados, que tinha “aplicado para a dita Capela”, e com algumas remessas do dinheiro que lhe deviam no Brasil, caso os testamenteiros o conseguissem reaver. Concluído o edifício, deixava bens para o seu património e capelães, que seriam em número de cinco.

Asseguradas as verbas para a construção da capela e manutenção da colegiada – “estipêndio capaz de rezarem em coro, para que possa ter princípio de Colegiada” – o rendimento seria anualmente dividido em três partes: a primeira, chamada real, para ser distribuída entre os cinco capelães, “que nomeio para esta Capela, dois simples e dois colados”; a segunda, para a fábrica da capela; e a terceira, para o erário (demandas, propinas, despesas para a cobrança, etc.).

Desconhecemos a data precisa da extinção da colegiada de Santa Ana de Vila Real. Caso não tenha sido extinta em 1834 – as colegiadas foram extintas, como aconteceu com as ordens religiosas, pelo decreto de 30 de Maio de 1834 – não sobreviria a partir de 1848. Pela lei de 16 de Junho de 1848 (Diário do Governo n.º 145, Lisboa, 20 de Junho de 1848), o Governo foi autorizado “a proceder, com o concurso da autoridade eclesiástica, à extinção, supressão e organização das colegiadas do Reino”. Da extinção ficaram “exceptuadas as colegiadas insignes”, que acabariam por ser suprimidas pelo decreto de 1 de Dezembro de 1869, excepto a colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães, com estatutos aprovados em 1891. Como referimos, se a colegiada de Santa Ana de Vila Real tivesse sobrevivido ao vendaval de 1834, não sobreviria a 1848, já que no artigo terceiro do decreto mencionado ficavam logo extintas as colegiadas que tivessem menos de sete beneficiados, o que era o caso da colegiada de Vila Real.

Sobre a Capela de Santa Ana desconhecemos a data da sua construção, quem foi o autor do projecto, e quem a executou. Temos conhecimento que, em 25 de Agosto de 1743, foi feito, em Vila Real, um documento de obrigação para a fábrica da Capela da Colegiada de Santa Ana, para dar cumprimento à vontade expressa em testamento pelo dr. Jerónimo Correia Guedes do Amaral, no qual “ordenou que lhe edificassem uma capela com comodidade para nela se constituir uma colegiada”, e para as quais tinha deixado a quantia de dezoito mil cruzados. O mesmo documento refere que o tempo “taxado pelo testador para a edificação não permitia mais dilações”, razão que levou à feitura do documento de obrigação por parte de José Botelho do Amaral, morgado de Vila Cova, e de sua mulher D. Ana Luísa Pimentel. Em 3 de Novembro de 1743, foi passada provisão para a sua fundação da capela, por D. Eugénio Boto da Silva, bispo de Atalónia, coadjutor do arcebispo D. José de Bragança. Com estes dois documentos, poderemos situar a sua edificação na década de quarenta de Setecentos, tendo como referência os anos que se seguem a 1743.

A Capela de Santa Ana, que hoje completa a fachada principal do edifício da Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, e que anteriormente desempenhou a mesma função em relação à Casa dos Morgados de Vila Cova, é pela sua fachada, de acentuada verticalidade, um edifício que se insere, por essa característica, numa tipologia arquitectónica desenvolvida em Vila Real e seu termo, em meados do século XVIII, e documentada em três outros magníficos exemplares: a igreja de São Paulo (conhecida também por Capela Nova, igreja dos Clérigos e igreja de São Pedro Novo), cuja fachada foi levantada entre 1753/54-1756, e executada pelo mestre de pedraria João Lourenço de Matos; a capela de Santo António, em Arroios, iniciada a partir de 1731, e cujo historial construtivo desconhecemos; e a capela de Nossa Senhora dos Prazeres, da Casa de Mateus, concluída nos finais da década de cinquenta – como se depreende da leitura da carta escrita, em 15 de Outubro de 1757, por D. Leonor Ana Luísa José de Portugal Sousa Coutinho a seu marido, D. Luís António de Sousa Botelho Mourão (“Estimo esteja de parecer de se acabar a capela”) – e atribuída a José Álvares do Rego.

O frontispício da Capela de Santa Ana, onde a acentuada verticalidade, como dissemos, domina a composição, é constituída por duas áreas: o corpo da capela e o seu coroamento (ou cimalha), sendo este formado por um ático e um frontão que o remata; no lado direito, e num plano ligeiramente recuado, encontra-se a torre sineira.

No corpo da capela (ladeado por pilastras de canto) rasgam-se seis vãos: uma portada e cinco janelas, duas ladeando a parte superior da portada, situando-se as restantes três (a central de maiores dimensões do que as laterais) por baixo do entablamento, com o qual a janela central está interligada. Na portada, são de realçar as duplas ombreiras (a exterior de menor altura), recortadas e rematadas por mísulas (onde assentam elementos decorativos); o lintel alteado (onde se procurou também dotá-lo de movimento); e, principalmente, o frontão contracurvado com o tímpano decorado com motivos vegetalistas.

Nas duas janelas laterais à portada, a rigidez exterior das ombreiras é contrariada pelas estruturas convexas interiores das mesmas (o que cria um vão de grande originalidade), e pela exuberância decorativa com que se compôs o peitoril e o lintel. Na parte superior abrem-se três vãos. A janela central, de maiores dimensões, apresenta dois elementos que reforçam a sua presença no corpo da capela: na parte inferior do peitoril, um elemento de acentuada ondulação enquadra superiormente a portada; e na parte superior, o lintel é rematado por um frontão de acentuada ondulação, com decoração vegetalista, que vai surgir no tímpano sob a forma de uma flor de lis. Finalmente, os dois vãos que ladeiam a janela central apresentam um peitoril e um lintel quebrados, e de acentuado movimento descendente e ascendente, dominando em ambos uma decoração vegetalista de alguma pujança.

No ático (enquadrado por duas pilastras e duas aletas decoradas com festões) do coroamento do corpo da fachada encontra-se uma pedra de armas (Guedes, Amaral, Correia, Botelho), com elmo, timbre e paquife, com a forma de dois festões ondulantes. O remate faz-se por um frontão curvo interrompido (de arco abatido) onde, na parte central, numa espécie de acrotério, se levanta uma cruz.

No frontispício da Capela de Santa Ana encontramos uma permanência da linguagem formal e decorativa do barroco da transição da primeira para a segunda metade de Setecentos. A busca do efeito de surpresa, provocado pela variedade dos vãos, a acentuada verticalidade do eixo, constituído pela portada / janela principal / pedra de armas / chaves dos entablamentos / cruz, e a decoração vegetalista, contribuem para a sua ligação ao Barroco vigente no Norte e em Vila Real, que se encontra na sua fase de transição para um tardobarroco/rococó. Se esta é a primeira sensação que temos ao observar a fachada, existe algo que nos leva a ver nela algo de diferente das suas congéneres já referidas: uma menor volumetria nos elementos estruturais e decorativos; uma sensação de um certo despojamento; uma presença mais marcante dos espaços vazios, uma ausência de escultura e de outros elementos decorativos, frequentes no Barroco.

Esta realidade poderá ser o resultado de várias circunstâncias. Um riscador diferente daqueles que contemporaneamente executaram os edifícios referidos? Um projecto elaborado fora do meio onde o edifício foi levantado? Ou ainda, o seu autor foi alguém de Vila Real (existiam importantes mestres pedreiros na época da construção da capela) que, seguindo alguns modelos pré-existentes, executou o seu com alguma modéstia no fulgor das formas? Estas e outras razões podem explicar o modelo analisado, mas resta o mistério de quem riscou a capela, e esse, só se desvenda quando aparecer o documento que o revele.

O interior define-se por dois corpos quadrangulares (capela-mor, de alçados ligeiramente côncavos, e entrada/coro), e um corpo central de forma octogonal. Este último é constituído pelos vãos da entrada/coro, e da capela-mor; por dois alçados côncavos, antecedidos por arcos de volta perfeita; e por quatro panos enquadrados por pilastras, onde se rasgam vãos para púlpitos e tribunas. Esta planta, ainda que numa outra dimensão temporal e estrutural, lembra o projecto para a igreja de São Filipe Neri, em Turim, da autoria de Michelangelo Garove (1648-1713), onde um octógono central é antecedido e precedido por duas estruturas quadrangulares.

O coro da Capela de Santa Ana assenta num arco abatido com caixotões no intradorso. Nas paredes da entrada e da capela-mor rasgam-se simetricamente duas portas. No primeiro caso, uma para acesso a um pequeno baptistério e outra ao coro e torre sineira; no segundo caso, uma para dar passagem (lado da Epístola) à sacristia, e outra para a antiga residência dos morgados de Vila Cova (lado do Evangelho). Diversas aberturas permitem a entrada de luz no interior, enriquecido pela qualidade do desenho arquitectónico, pela talha dos retábulos, pelos púlpitos e tribunas, nas ilhargas, e por uma cobertura central de tipo cupular.

Na capela existem três retábulos: o retábulo-mor de imponente estrutura rococó e dois laterais de gosto clássico pela estrutura, pela decoração e pela policromia. No arco cruzeiro vê-se uma sanefa de gosto neoclássico, que pertencia à capela de São Jerónimo do antigo Hospital.

Na capela-mor, do lado do Evangelho, num arcossólio (rematado por um arco canopial), encontram-se as ossadas do dr. Jerónimo Correia Guedes do Amaral, vindas da Paraíba do Norte, como era sua vontade.

Após a aquisição do Colégio de Nossa Senhora do Rosário, que traria a capela de Santa Ana para a posse da Santa Casa da Misericórdia, os restos mortais da família Rodrigues de Freitas foram trasladados da capela de São Jerónimo para a de Santa Ana e colocados nas paredes que suportam o coro. Duas lápides recordam a presença os dois benfeitores do Hospital. Nestas lápides não se refere o sobrinho Jerónimo que, em 1823, foi trasladado da igreja do Convento de São Francisco para a capela de São Jerónimo do Hospital da Divina Providência.

 

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